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Shakespeare Vive! A Megera Domada

Coluna English Corner, com Regina Baruki (*) e Naudir Carvalho (*) em 27 de Novembro de 2020

Inspirada por diversas histórias orais, A Megera Domada é uma comédia que parte do desejo de Lucêncio de se casar com a bela e doce Bianca. Todavia, Batista, pai da jovem, impõe uma condição: a filha mais velha, Catarina, deve se casar primeiro. Para ‘domar’ a moça, que não tem desejo nenhum de se casar, é chamado Petrúquio, um nobre falido de Verona, de personalidade forte. Ainda que se baseie em situações datadas, como a instituição do casamento gerida pelos pais e a falta de autonomia das moças nas escolhas dos seus maridos, a história desvela arquétipos familiares e foi adaptada para várias épocas e culturas.


Em 1965, Ivani Ribeiro escreveu a novela A Indomável, para a Rede Excelsior, que situou a peça de Shakespeare nos anos 1920. Na versão, Catarina é uma feminista de classe alta, filha de um magnata do café e Petrúquio, um fazendeiro brutamontes. O folhetim serviu como base para duas outras novelas: O Machão, em 1974, reescrita pela própria Ivani para a TV Tupi e O Cravo e a Rosa, em 2000, com texto de Mário Teixeira e Walcyr Carrasco, para a Rede Globo. A última versão, com Adriana Esteves e Eduardo Moscovis, obteve tanto êxito que foi reexibida em três ocasiões: 2003, 2013 e 2019. Está disponível na plataforma de streaming Globoplay. 


Outra adaptação notável foi a comédia romântica americana 10 Coisas Que Odeio em Você, que situa a história no final dos anos 1990. Katherine e Bianca são irmãs que têm que lidar com um pai controlador, que impõe a regra de que a mais nova não pode namorar antes da mais velha. Para resolver essa situação, Cameron, um jovem interessado em Bianca, contrata Patrick Verona (o sobrenome refere-se à cidade de origem de Patrick), um bad boy com uma péssima reputação, para conquistar Katherine. Na versão, Katherine é uma adolescente esportista, interessada em literatura feminina e cultura alternativa. Estrelado por Julia Stiles e o saudoso Heath Ledger, o filme foi bem recebido e marcou uma geração, após incontáveis reprises na TV aberta.

 

Em contraste com o jazz e o sertanejo de O Cravo e a Rosa, está o rock alternativo e o rap de 10 Coisas que Odeio em Você. Ambas as obras refletem os valores da época em que foram escritas. Há uma distinção entre Catarina e Katherine: ambas possuem um notório ativismo político e resistência para se relacionar com rapazes, embora por razões diferentes, que dialogam com as ansiedades feministas de cada época. Isso também é notável na reconstrução de Petrúquio e Patrick: em comparação com a obra original, são personagens muito mais empáticos.


A história também se afasta da discussão de classes – mulher rica e homem pobre – e passa a discutir papéis de gênero e a autonomia da mulher na escolha de seu parceiro. Em 10 Coisas, vemos um conflito interessante, sobre a possessividade e a insegurança de um pai diante das filhas. Em O Cravo e a Rosa, Catarina questiona a instituição do casamento – acredita que, na sociedade em que se insere, é movida apenas por interesses financeiros.


A comédia shakespeariana é resgatada para discutir problemas de seu tempo. Assim, os personagens também são reconstruídos. Sai um brutamontes agressivo e possessivo e entram pequenos conflitos de interesse, que resultam em uma história de amor. Em uma das cenas mais interessantes e metalinguísticas de 10 Coisas, um professor de literatura pede que os alunos exponham os seus sentimentos, reescrevendo um soneto de Shakespeare. No poema da protagonista, estampam-se o seu crescimento e a sua sensibilidade.


Mais uma vez, constatamos que a obra genial de Shakespeare não é estática. Seus textos não podem ser lidos passivamente. Suas ideias têm sido recontadas e adaptadas, sob diferentes perspectivas, refletindo as ansiedades de cada época, cada cultura, cada sociedade.


(*) Regina Baruki-Fonseca é professora do Curso de Letras do CPAN. Tem Mestrado em Língua Inglesa pela UFRJ e Doutorado em Educação pela UFMS. 

(*) Naudir Ney Carvalho da Silva é acadêmico do Curso de Letras Português/Inglês do CPAN.