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Pantanal troca de mãos: sai o “pantaneiro raiz” e entra o fazendeiro de cidade

Campo Grande News em 14 de Agosto de 2023

Sindicato Rural de Corumbá

Pecuária é a principal atividade econômica do Pantana

O Pantanal não vivencia só uma troca de pastagem, mas também de mãos. Sai o “pantaneiro raiz”, que conhece o bioma e seus pulsos de inundação, e entra o fazendeiro de cidade, dono de vastidão de terras na maior planície alagável do mundo, mas que vive nos grandes centros. 

“O fazendeiro raiz é pautado pelo limite que o Pantanal impõe a ele. Tem resistência, perseverança e respeito pelo lugar em que vive. Essa cultura vem de 300 anos, com a produção extremamente alinhada com as condições que o Pantanal oferece. E, sem dúvida, se o Estado, se o País quer que esse modelo sobreviva, vai ter que subsidiar. Essa conta não pode ser paga somente pelo pantaneiro. Em 300 anos de ocupação, esse bioma sofreu menos de 15% de perda”, afirma o presidente do IHP (Instituto Homem Pantaneiro), Ângelo Rabelo. 

Para o presidente do Sindicato Rural de Corumbá, Gilson Araújo de Barros, a grande mudança nem é do perfil do proprietário, mas a rentabilidade da pecuária na região.

A família dele tem raízes há um século no Pantanal e Barros faz um retrato da época do seu avô. “A pecuária tinha rentabilidade altíssima e grandes propriedades. Você conseguia sobreviver com pouca tecnologia e pouca implantação de pasto. O pantaneiro raiz sobrevivia”, destaca.

Com o passar das décadas, as grandes fazendas foram sendo partilhadas pelos herdeiros, que passaram a contar com área menor para alimentar o gado, o que exige opções de gramíneas com mais proteína do que a cobertura original. 

"Por aqui, a gente brinca e chama de reforma agrária da cama. Por exemplo, meu avô teve cinco filhos. Cada filho teve cinco filhos. As fazendas foram se dividindo. Hoje, tenho 1/25 avos do que meu avô tinha. Meu avô não precisava ter pasto plantado no Pantanal. Hoje, se eu não fizer intervenção na formação de pasto, tenho que vender a propriedade. A troca de pastagem é fundamental para manter o pantaneiro no Pantanal”, diz Barros. 

O pecuarista afirma que há gramíneas originais no Pantanal de baixíssima eficiência, sendo necessários seis hectares para sustentar uma vaca. “Se troca por gramínea de mais eficiência, é um hectare para a vaca. O boi prefere o capim com mais proteína”. De acordo com ele, uma vaca no Pantanal valia quase R$ 4 mil, mas atualmente, vale R$ 2.400.

O presidente do Sindicato Rural de Corumbá critica a possibilidade de mudança no Decreto Estadual 14.273, publicado em 2015 e que dispõe sobre a Área de Uso Restrito da planície inundável do Pantanal.

A regra do governo de MS foi apontada como permissiva e o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) prepara uma resolução para frear o desmatamento. A supressão vegetal na área desmata pode chegar a 50%, enquanto o limite é de 60% em área de gramínea.

Conforme Barros, uma mudança de percentual impacta no mercado de venda de carbono, em que a preservação do Pantanal é remunerada pelo setor privado.

“Se cair essa porcentagem que a gente tem direito, vamos perder todos os créditos de carbono. Ninguém vai pagar o que já está protegido. Resumindo, todo o ônus que se impõe ao Pantanal sai do bolso do fazendeiro. O fazendeiro banca a preservação do Pantanal para o mundo. Pagar essa conta já está ficando complicado”, afirmou.

De um século para uma década 

Em 2019, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) moveu ação contra autorização para desmatamento concedida pelo Imasul (Instituto de Meio Ambiente de MS) em fazenda de propriedade de grupo empresarial Majora Participações Ltda, que tem sede na capital de São Paulo.

Conforme as certidões do cartório, a propriedade rural foi vendida ao grupo em 2014, por R$ 11,9 milhões. A fazenda ocupa 22.326 hectares em Corumbá. A autorização foi para supressão vegetal e substituição de pastagens nativas em 10.516 hectares.

A promotoria de Corumbá apontou irregularidades e riscos ao meio ambiente: afugentamento de animais silvestres, alteração da qualidade do ar, contaminação do solo, incêndios, perda do banco de sementes e formação de processo erosivo.

Em 16 de dezembro do ano passado, a Justiça determinou a nulidade da autorização ambiental. O Imasul recorreu ao TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).

“O Imasul, na condução de temas ambientais, exerce posicionamento técnico, que lhe é privativo, em virtude do conhecimento sobre condições peculiares dos diferentes ecossistemas a serem preservados. Ao Poder Judiciário, consequentemente, é vedado interferir nessas opções de ordem administrativa e técnica inerente ao poder de polícia ambiental, quando exercidas regularmente, sob pena de invadir competência própria do Poder Executivo”, informa o instituto. 

A apelação ainda não foi votada pela 2ª Câmara Cível. A reportagem não conseguiu contato com o Majora Participações.

Pecuarista réu pela destruição  

Divulgação/Bombeiros

Pantanal ardeu em chamas no ano de 2020 e PF fez operação contra fazendeiros

Conhecido por ser o delator do ex-governador André Puccinelli (MDB) na operação Lama Asfáltica, o pecuarista Ivanildo da Cunha Miranda, que mora em Campo Grande, é réu por crime contra o meio ambiente, resultado da operação Matáá (fogo no idioma guató).

A ação foi realizada pela PF (Polícia Federal) em 2020 para investigar queimadas em 25 mil hectares do Pantanal (equivalente a 25 mil campos de futebol), no ano em que o fogo foi mais devastador para o bioma.

A 1ª Vara Federal de Corumbá marcou audiência para o próximo dia 23. A ação é por conta de incêndio na fazenda Bonsucesso, que tem 32.147 hectares. O MPF (Ministério Público Federal) chegou a oferecer acordo de R$ 436.326 para encerrar o caso, mas o pecuarista recusou o acordo porque nessa modalidade de transação é preciso reconhecer a culpa.

Proprietários de outras três fazendas também foram denunciados após a operação, mas o processo tramita em sigilo. A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Ivanildo da Cunha Miranda.

Depois do desmate, o acordo

Morador em Campo Grande, o empresário Jorge Abdul Ahad, dono de construtora, foi alvo de inquérito do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) em 2019, após o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) verificar desmatamento de 172,95 hectares sem autorização na fazenda São Roque, no Pantanal.

Localizada em Corumbá, a fazenda tem 7.772 hectares e foi comprada em 2017. O procedimento acabou arquivado após um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta). Ele se comprometeu a aumentar em 173 hectares a área de reserva legal na Fazenda Santa Lúcia e destinar R$ 30 mil para construção de Centro de Quarentena para Animais Silvestres em Corumbá.

“Foi celebrado um termo de ajustamento de conduta, com o cumprimento das obrigações assumidas pelo requerido”, informa o advogado Douglas de Oliveira Santos.

O preço da terra 

Em relação a outras regiões de Mato Grosso do Sul, o Pantanal tem preços mais baratos devido às condições impostas pela água, com os pulsos de inundação do Rio Paraguai. 

“O Pantanal é uma região alagada de acesso difícil. Por isso as terras são mais baratas devido ao acesso. Quando tem as chuvas, parte da fazenda alaga e se leva o gado para outra região ou uma parte mais alta. Os valores das fazendas variam de R$ 2 mil a R$ 18 mil por hectare, dependendo da localização e o tamanho”, afirma João Araújo Filho, gestor imobiliário, corretor de imóveis internacionais e perito avaliador de imóveis.

Na outra ponta, os municípios com a maior produção agrícola têm o hectare mais valioso, atingindo o valor de R$ 180 mil. A seleta lista tem Maracaju, Dourados, São Gabriel do Oeste e Chapadão do Sul, que se destacam com a soja e o milho.