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Dona das ruas: “Maria de Corumbá” desperta curiosidade, admiração e respeito por onde passa

Leonardo Cabral em 24 de Maio de 2023

Anderson Gallo/ Diário Corumbaense

"Maria" é considerada uma das grandes personagens de Corumbá, mesmo sem informações sobre sua história

"Maria do saco", "Maria Preta" ou "Maria do carrinho", são alguns nomes pelos quais boa parte da população se refere a uma pessoa bastante conhecida em Corumbá. Há mais de 50 anos pelas ruas da cidade, a "Maria de Corumbá", carrega consigo o motivo de preferir viver sozinha.

Introspectiva e silenciosa, ela quase não se comunica, mas abre pequenas exceções a poucas pessoas em quem confia. A esses "visitantes" que ela recebe em seu mundo, dirige poucas palavras e ocasionalmente responde com um tímido sorriso, em um rápido e raro momento em que aceita contato social.

Suas vestimentas, feitas por ela mesma com sacos de estopa e sacolas plásticas, lhe renderam um de seus apelidos, assim como o carrinho com o qual leva seus pertences de um lado para o outro, carregando "tudo e nada" e "uma história sem nome", como diz o poema.

Cliente ilustre

Uma das pessoas com quem Maria possui raros momentos de interação social é Josefa Lino de Oliveira, de 81 anos, mais conhecida como Dona Nina, da mercearia localizada no bairro Dom Bosco. Há mais de 50 anos, as duas se veem quase diariamente, já que Maria é uma "cliente ilustre" do estabelecimento.

"Ela chega aqui na mercearia, entra, escolhe o que quer, paga e sai. Nunca me pediu nada nesses anos todos, sempre paga pelo que quer e jamais pegou nada daqui", contou a comerciante.

Foto enviada ao Diário Corumbaense

Na mercearia de dona Nina , "Deise" à espera no balcão para pagar pelos produtos que sempre compra

Entre os produtos que a freguesa mais gosta estão itens de primeira linha, ou como a comerciante brinca: "coisas boas". "Ela não gosta de qualquer coisa não, sempre pega coisas boas, desde alimentos até objetos. Ela vai, olha e se não vê, pede do jeito dela, aponta com os dedos ou até traz a embalagem, para que a gente possa saber o que é, mas exige, e se não é o que ela quer, ela vira o rosto e vai embora", descreveu o comportamento da cliente.

"Leite condensado, sucos de saquinhos, pão, tesoura, agulha e refrigerante, mais precisamente Coca-Cola, são os da preferência dela", revela dona Nina, que completa dizendo que tesoura e agulha são itens adquiridos para que ela faça suas costuras. "Sempre a vejo costurando as roupas dela ali, sentadinha, embaixo da árvore, que fica aqui quase em frente à mercearia", completou a proprietária do estabelecimento, que fica na esquina da rua Dom Aquino com a rua Marechal Deodoro.

Qual seu nome? "Deise"

Durante todos esses anos, dona Nina revelou ao Diário Corumbaense que nunca chamou a cliente ilustre pelos apelidos. Ela sempre a chamou pelo nome de "Deise". Pode parecer estranho para alguns, considerando que ela é conhecida pelos apelidos herdados ao longo dos anos, mas, para a comerciante, há 50 anos, é a "Deise" quem frequenta o estabelecimento, mesmo antes de sua filha nascer e agora está quase completando 50 anos.

"Ela vinha aqui quando minha filha ainda era bebê, sempre calada, mas vestia-se normalmente, não era assim. Certa vez, decidi perguntar seu nome e, para minha surpresa, ela sussurrou e afirmou claramente que seu nome era 'Deise'. Desde então, comecei a chamá-la pelo nome que ela me confidenciou, e continuo fazendo isso até hoje, porque é assim que ela atende", disse, enfatizando que nunca a chamou pelos apelidos e que essa foi a única vez em que elas tiveram uma breve troca de palavras. "Desde então, ela entra muda e sai calada, apenas pega o que precisa e volta para o mundo dela, que são as ruas da cidade, onde parece viver feliz", acrescentou.

Dona Nina lembra que, após tanto tempo, cerca de cinco meses atrás, resolveu fazer a pergunta novamente sobre seu nome, para ver se a cliente responderia. Dessa vez, porém, "Deise" apenas confirmou com um movimento de cabeça.

Uma das características de "Maria" ou "Deise", é que ela raramente aceita doações, nem mesmo na mercearia.

"Já vi muitas pessoas doando coisas para ela, mas ela não aceita. Se é comida, ela pega, mas joga em um canto. Quanto a roupas, às vezes ela aceita, mas não sabemos o motivo que a leva a fazer isso. Ela sempre vem aqui com dinheiro e compra o que quer. A única coisa que já vi ela aceitar ao longo desses anos é o pão, e mesmo assim é diretamente do carro do padeiro que faz entregas aqui. Quando Deise vê o padeiro chegando, ela se aproxima do carro, para com o carrinho ou vai sozinha, e o padeiro entrega o pão em suas mãos. Ela apenas balança a cabeça em agradecimento e sai com o pão que ganhou. Em relação a todo o resto, nunca vi ela aceitar nada, e olha que já são muitos anos aqui no mesmo local", mencionou dona Nina.

Sem identificação

A história de vida de Maria intriga muitas pessoas que desejam saber quem é realmente essa mulher que chama tanta atenção e que vive nas ruas de Corumbá há tanto tempo.  Um trabalho de busca foi realizado pela Assistência Social do município, por meio do Centro POP (Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua).

Foto enviada ao Diário Corumbaense

Maria tendo as digitais coletadas pela Assistência Social, mas as buscas não deram em nada

Renata Papa de Almeida, gerente de proteção social e especial da Assistência Social, revelou à reportagem que não há nada concreto sobre sua identificação nem o motivo da permanência nas ruas. Nas abordagens feitas pelas equipes, Maria se identificou com outros nomes, mas sempre mostrou resistência durante os questionamentos.

"Desde 2009 ou 2010, fazemos abordagens sociais e relatórios, sempre tentando nos aproximar. Ela sempre responde de maneira seca e objetiva. Certa vez, disse que seu nome era 'Sandra', em outras ocasiões mencionou ser 'Débora'. Ela nunca aceitou ajuda, mas sempre nos procurava quando seu carrinho quebrava ou seu chinelo arrebentava, mas permanecendo em silêncio", contou Renata.

A coordenadora do Centro Pop, Katiuscia Regina de Carvalho, lembra que em 2019 foi realizada uma coleta de impressão digital para buscar informações sobre a idosa. O levantamento foi feito em todo o território nacional, mas não foram encontrados documentos ou informações compatíveis com as digitais coletadas.

Parentes

Durante todos esses anos de acompanhamento, Renata relatou que uma mulher que precisou ser atendida na Casa de Passagem chamou a atenção da equipe devido à sua semelhança física com Maria.

"Tivemos uma mulher no passado que veio parar na Casa de Passagem devido à desocupação de algumas casas invadidas, e ficamos impressionados com a semelhança dela com Maria. Durante os dias em que essa mulher ficou aqui, fizemos perguntas insistentes para saber se ela tinha uma irmã, mas ela sempre negava. No entanto, no último dia em que permaneceu na Casa de Acolhimento, ela decidiu dizer que tinha uma irmã desaparecida com quem nunca teve contato. Ela também revelou que o motivo real do desaparecimento da suposta irmã seriam abusos na infância", mencionou Renata Papa.

Com essa informação, foi feito um pedido ao Ministério Público para um exame de DNA, mas não houve tempo. "Quando a decisão saiu, nós fomos rapidamente em busca dessa mulher, mas para nossa surpresa, ela havia falecido e sua família foi embora de Corumbá. Realizamos buscas, mas não os encontramos, e o pedido foi arquivado, nos deixando mais uma vez sem respostas", lamentou.

Outra hipótese levantada pela equipe é a de que a condição psicológica de Maria possa ter sido causada por problemas durante uma suposta maternidade. Um fato ocorrido em 2014, durante sua estadia em uma residência terapêutica, foi determinante para levantar essa possibilidade.

"Para se aproximar de Maria, a equipe comprou uma boneca, um jogo de linha e agulhas, que foram entregues à ela, e rapidamente se apegou à boneca e aos pertences. A boneca sempre estava presente em suas coisas quando ela empurrava um carrinho de bebê, antes de utilizar o carrinho de mercado. Existe essa suspeita, já que algumas pessoas dizem tê-la visto grávida no passado, mas nada comprovado. Ela sabe ler, costurar, contar números, ou seja, em algum momento da vida teve educação, mas em que momento ela se isolou, não sabemos", acrescenta Renata.

Lenda viva

Enquanto as pessoas continuam tentando desvendar seu passado, Maria segue sua rotina diária, sem ter consciência de que, ao longo dos anos, se transformou em uma “lenda viva” em Corumbá, sendo admirada e respeitada pela população que já a homenageou através de poemas, como "Maria Preta", escrito pelo professor Gilmar Fernandes Martins, e até em enredo da escola de samba Mocidade Independente da Nova Corumbá em 2023, além de diversas obras de artistas pantaneiros. 

Conforme informações da Assistência Social, estima-se que Maria tenha mais de 80 anos. 

Anderson Gallo/ Diário Corumbaense

Ao lado do inseparável carrinho, Maria segue vivendo o presente, enquanto muitos buscam pelo seu passado

Comentários:

Edivaldo Dias Medeiros : Eu tenho 42 anos minha mãe tem 61 e ela diz que quando ela tinha 20 anos Maria já era moradora de rua. Então ela deve ter próximo de 100 anos.

Waldirene Aparecida Gomes Pinheiro: O comentário que ouvi quando criança é de que ela morava é trabalhava com uma família rica e sofria maus tratos, que após ter engravidado do patrão e maus tratos ficou assim e foi posta na rua.....

Natalino Rosa : Tem tudo pra ser uma senhora que morei em sua casa depois que sai do 17BC 1969 Dna Elena

Lineize Martinez: Dona "Maria do saco" ou "Deise", talvez seja um anjo disfarçado que perambula nas ruas dizendo em seu modo simples de viver, que a vida é de graça e temos tudo que precisamos na natureza. O que a encarece é alimentar a vaidade humana e achar que tudo tem preço. As asas de anjo ela esconde sob os sacos plásticos e o carrinho de compras, sua âncora para não sair voando por aí... lindamente e simplesmente 'Maria'. Meu carinho e meu respeito Lineize Martinez (Turismóloga aposentada da PMC)

José Eduardo Studenik : Uma vez quando estava em Corumbá, eu parei meu carro e me ofereci para empurrar o carrinho dela em um aclive, porém ela recusou com veemência a minha ajuda

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