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Festeiros banham São João no rio Paraguai e reforçam importância de preservar a tradição

Leonardo Cabral em 24 de Junho de 2022

Anderson Gallo/ Diário Corumbaense

Devotos banhando imagem de São João no rio Paraguai

O Banho de São João é uma festa que acontece há mais de cem anos em Corumbá. São centenas de festeiros que descem a Ladeira Cunha e Cruz, com os andores e a imagem de São João Batista, em direção as águas do rio Paraguai, mantendo viva uma tradição com influência portuguesa, um momento de fé, devoção e agradecimento.

O ato remete ao batismo de Jesus Cristo por João Batista nas águas do rio Jordão. Não diferente de anos anteriores, a noite de quinta-feira, 23 de junho, véspera de São João, celebrado nesta quarta-feira (24), mostrou que, mesmo após dois anos sem os festejos juninos por causa da pandemia da covid-19, a tradição segue e é passada de geração para geração.

Toda a festa começa na casa dos devotos. Lá, eles preparam comidas típicas, rezam pelas graças alcançadas e pedem bênçãos a São João. 

Entre os devotos e reforçando que a fé em São João não tem idade, estava a festeira Joeci das Dores Gonçalves Sambrana. O andor dela era carregado por crianças, uma forma de ensinar a tradição da festa desde pequenas.

“Viemos da tradição de nossos pais e avós que enterravam as garrafas de água benta antecipando a data de Santo Antônio, decorávamos nosso próprio pau de sebo e mastro, fechávamos a rua para nosso tradicional São João. Com a partida das nossas matriarcas, toda essa tradição foi sendo deixado de lado, e a partir de 2019, quando voltei a morar em Corumbá, senti a necessidade de reacender a chama da nossa fé e amor a São João Batista. E para que nossos primos, sobrinhos e filhos não deixem de lado nossa tradição, busquei incentivar todas as crianças da minha família e colocá-las como protagonistas do São João da Nhá Maria Hercília, para que no futuro, eles deem continuidade a esta nossa tradição, para que desde pequenos possam compreender sobre a importância da fé, do amor ao próximo, da empatia, da necessidade de se colocar no lugar do outro, pensando de alguma forma em contribuir na vida deles enquanto cidadãos e moradores da cidade em que temos São João Batista como patrimônio”, explicou Joeci ao Diário Corumbaense.

Leonardo Cabral/ Diário Corumbaense

Andor da Joeci foi levado por crianças, uma forma de seguir com a tradição na família

Gabriel Yovio, de 10 anos, era uma das crianças que carregavam o andor. Foi a primeira vez que, junto aos primos e amigos, desceu a Ladeira Cunha e Cruz carregando o andor até as margens do rio.

“É muito legal estar aqui, estamos aprendendo a seguir com a devoção e mostrando que a fé não tem idade. É importante seguir com a tradição e não deixar ela acabar nunca”, reforçou Gabriel.

Há mais de 30 anos descendo a ladeira, Lucila Álvares de Souza, de 67 anos, tinha motivo de sobras para celebrar São João. Esbanjando alegria e muita simpatia, a festeira, que faz aniversário no dia do santo, disse que esse ano é especial.

Anderson Gallo/ Diário Corumbaense

Ladeira Cunha e Cruz se transformou num grande corredor para a descida e subida dos andores

“Isso aqui representa a renovação da nossa fé em São João. Eu nasci no dia dele, então, tem um significado maior ainda. Mas, depois de dois anos sem a festa, hoje estamos aqui com saúde e muita alegria, para celebrar o santo e, claro, meu aniversário. Enquanto estiver viva, vou estar aqui descendo a ladeira e levando meu andor. Espero que isso aqui jamais acabe”, disse Lucila pedindo bênçãos e saúde a todos. “Que São João nos abençoe e nos dê muita força e saúde”, completou.

Os andores, cada um com suas peculiaridades, grandes, médios ou pequenos, se encontravam na Ladeira Cunha e Cruz. A reverência entre eles é um dos pontos mais cultuados pelos festeiros, na hora da descida, subida ou nas margens do rio. Os cortejos são acompanhados por cânticos em louvor a São João.

“Não importa o tamanho da imagem de São João, o que importa aqui é a nossa fé e devoção”, disse Laura Amorim ao se referir ao tamanho da imagem do santo que tem 113 anos em sua família. Para ela, estar ali é um momento especial e, além da fé, representa um olhar ao próximo.

Leonardo Cabral/ Diário Corumbaense

Para Laura Amorim, estar ali é um momento especial e, além da fé, representa um olhar ao próximo

“A imagem do nosso santo tem 113 anos e desde que minha mãe, Nestina de Moura Amorim, pegou o santo que era do meu bisavô, que passou para meu avô e agora está com ela. Por problemas de saúde e idade avançada, quase 80 anos, ela não veio, mas nós, os filhos, estamos dando continuidade à essa tradição com a ajuda de amigos. Nosso maior intuito é celebrar o santo e ajudar o próximo. O momento representa a nossa fé viva”, completou Laura Amorim. 

Pedindo saúde para todo mundo, a festeira Marilda Herreira, do bairro Aeroporto, levou o andor, carregado por ela e pelos sobrinhos, para banhar a imagem de São João no rio Paraguai.

“A tradição na minha família começou com a minha irmã que estava com câncer, depois, resolvi seguir e estou há nove anos aqui festejando São João. É uma alegria imensa e só peço que ele nos dê muita saúde e muita paz, para que possamos seguir felizes sempre”, disse Marilda.  

Anderson Gallo/ Diário Corumbaense

Após dois anos, festejos retornaram em Corumbá

A louvação ao santo tem dois momentos marcantes durante a procissão pelas ruas da cidade. Ouve-se primeiro a ladainha: “Deus te salve João/Batista sagrado/O teu nascimento/Nos tem alegrado”. Logo, a banda imprime um ritmo carnavalesco e o povo pula de alegria, cantando: “Se São João soubesse que hoje era o seu dia/ Descia do céu à terra/Com prazer e alegria”. Durante o banho, o povo entra na água, toca a imagem, se percebe a religiosidade dominante. Aos gritos de “Viva São João”, escuta-se batuque da umbanda e do candomblé na beira do rio, anunciando a presença de entidades num grande terreiro. Os pagadores de promessas se ajoelham com emoção e fé fervorosa. O andor retorna para a casa do festeiro, subindo a Ladeira, onde é tradição cumprimentar quem desce.

Patrimônio Imaterial do Brasil

Este é o primeiro Arraial após o registro do Banho de São João como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. A aprovação aconteceu no dia 19 de maio de 2021, durante reunião do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O registro tem duração de 10 anos e nesse período, a celebração vai ser observada para a revalidação.

O ponto alto da celebração foi na noite de quinta e madrugada desta sexta e, de acordo com estimativa da Fundação da Cultura e do Patrimônio Cultural, cerca de 30 mil pessoas passaram pelo circuito de festejos, que teve o show nacional da dupla Rick e Renner. 

O arraial continua até domingo (26) no Porto Geral, com barracas de comidas e bebidas típicas, shows e apresentações culturais.

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