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Leia artigo, Sim à vida, de Roberto Ferreira Filho

Fonte: *Por Roberto Ferreira Filho em 11 de Abril de 2012

Sim à vida

Nesta quarta-feira, como é sabido, o STF (Supremo Tribunal Federal) passará a julgar a ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 54, que visa, em síntese, descriminalizar, deixar de considerar crime no Brasil o aborto do feto anencefálico.

O tema é sensível, complexo e muito mais significativo do que se pode imaginar em uma leitura mais desatenta daquilo que realmente cerca este julgamento.

Justamente por isso é muito difícil, quiçá impossível, resumidamente, em um singelo artigo, expor as razões que me levam a ser frontalmente contra o entendimento que, pelo que consta, infelizmente será respaldado pelo STF.

Pela objetividade que se exige em artigos desta natureza, vou elencar e rebater os principais argumentos sustentados pelos abortistas.

Dizem, em linhas gerais, que o aborto do anencéfalo não é crime porque não há vida a ser protegida; que a situação do anencéfalo é similiar à pessoa que tem sua morte cerebral decretada e de onde, então, se admite a extração de seus órgãos para doação; que é grande o sofrimento da gestante em tais casos e que ela tem o direito de decisão sobre o seu corpo.

Pois bem. O primeiro argumento é o mais frágil de todos e o que é mais explorado pelos "patrocinadores" do aborto.

Em verdade o anencéfalo possui, sim, ainda que por breve espaço de tempo, vida, pois mantém funcionando algumas de suas funções vitais.

É capaz de, em muitos casos, controlar funções como a respiração, o ritmo dos batimentos cardíacos, apresenta alguns reflexos (deglutição, vômito, tosse, piscar dos olhos), funções de alimentação (sucção, expulsão de comida desagradável, bocejar).

Ademais, vale frisar, o argumento dos abortistas é, como se diz em direito, verdadeira contraditio in terminis - contradição em seus termos -, porquanto, ao mesmo tempo, afirmam que o feto "não tem vida" e dizem que ele sobreviverá - viverá, pois - por muito pouco tempo. Ora, se sobreviverá pouco tempo é evidente que vida há e, em sendo assim, esta é digna de proteção.

Também é absurdo comparar a anencefalia com a morte cerebral - morte encefálica, na verdade.

Na anencefalia, como dito, o ser humano apresenta algumas funções vitais importantes, até porque possui, ainda que parcialmente, tronco encefálico, enquanto que no quadro de morte encefálica (popularmente chamada de "morte cerebral") somente o coração permanece a bater.

Quanto ao sofrimento da gestante isto é evidente, é inegável. Obviamente que qualquer mãe, ao receber a notícia da grave enfermidade de seu filho (feto ou já nascido), sofrerá e sofrerá muito. O aborto, contudo, não elimina este sofrimento podendo, isto sim, até mesmo agravá-lo.

O aborto, como já foi matéria de inúmeros estudos científicos, provoca traumas, rebaixamento da auto-estima, depressão etc., mesmo quando o aborto ocorre em situações como da anencefalia.

O que estou dizendo é que se a notícia da anencefalia gera sofrimento à gestante, o cometimento do aborto não eliminará este seu sofrimento.

Cabe, isto sim, é se fazer cumprir a legislação, mormente os artigos 7º e 8º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e conferir à gestante, em toda e qualquer situação - mui especialmente em casos desta gravidade - tratamento digno e interdisciplinar (médico, psicológico, social, espiritual etc), a fim, ao menos, de minorar os sofrimentos que ela poderá vir a sofrer, e não seguir o "caminho mais fácil", o de "jogar a sujeira embaixo do tapete" (ou, no caso, "na lata do lixo do hospital").

Fundamental dizer, por outro lado, que a mãe, por mais importante que seja para o desenvolvimento da vida do feto - que angelicalmente habita seu ventre -, não é dona da vida dele, assim como não o será após o nascimento.

A mulher pode, sim, decidir acerca de seu corpo; ocorre que o feto não faz parte de seu corpo, mas apenas o ocupa temporariamente para que, então, possa se desenvolver, dando continuidade a seu trilhar na humanidade.

O mais grave, porém, é que os abortistas, de modo muito bem calculado, organizado, planejado, querem, como se diz na gíria, "comer pelas beiradas".

Sim, pois primeiro conseguirão "aprovar" o aborto do feto anencefálico, sob argumentos falaciosos, inverídicos, contando com a "benção" de importantes grupos econômicos internacionais (fundação Ford, por exemplo) e com o "aplauso" de poderosos órgãos de imprensa.

Simultaneamente apresentam ao Senado Federal, por meio de uma comissão de "juristas", uma proposta de reforma do Código Penal para aumentar, ainda mais, as hipóteses de aborto no Brasil, como por exemplo o caso de fetos com graves e incuráveis anomalias - o que poderá alcançar, dentre outras hipóteses, seres humanos como os que hoje são magnificamente atendidos nas APAES, nos Cotolengos, nas Pestalozzis e nas AACC's.

Outra hipótese "sonhada" pelos abortistas e que constará da aludida proposta é a de permitir o aborto quando "o médico ou o psicólogo atestar que a mulher não apresenta condições de arcar com a maternidade", tal como se o feto nada fosse e pudesse ser, "sem maiores cerimônias", "descartado".

Também conseguem emplacar na Secretaria Especial dos Direitos da Mulher uma pessoa que é conhecida e reconhecida como árdua defensora do aborto.

Outrossim, e isto é evidente, aguardou-se o "melhor" - ou seria o "pior" - momento para colocar na pauta de votação do STF matéria de tamanha relevância, esperando-se a aposentadoria ou mesmo o falecimento de Ministros que sempre se opuseram ao aborto, como é o caso, dentre outros, dos Ministros Eros Roberto Grau e Carlos Alberto Menezes Direito.

O que chama a atenção é que a legislação brasileira, incluindo a Constituição Federal, tem posicionamento claro e reiterado acerca do respeito ao direito à vida, sem condicionamentos, inclusive sem condicionamento temporal - "tempo de duração da vida".

Basta citar que o Brasil é signatário da conhecida Convenção Americana de Direitos Humanos, que aqui passou a vigorar em 1.992, e que, de modo claro, em seu artigo 4º, item "1" , esclarece que a vida começa com a concepção, mesmo porque é a partir deste momento que a carga genética do novo ser humano é formada e assim o será por toda sua vida.

Nossa Constituição Federal, por sua vez - e no que está de todo correta - é radical no respeito à vida, mesmo de pessoas que cometeram os mais bárbaros crimes (latrocínios, homicídios, estupros), haja vista impossibilitar - exceto nos casos de guerra declarada - a adoção de pena de morte, assim como impossibilita a aplicação de pena de prisão perpétua, tudo a indicar, pois, que a vida humana, seja de quem for, em qual estágio for, merece, enquanto durar, efetiva proteção do Estado.

Ora, se mesmo a vida de criminosos perigosos é digna de proteção porque não o será a vida de seres humanos indefesos e frágeis? Será pela pouca visibilidade? Será pelo caminho hedonista, egoísta e individualista que nossa sociedade vem seguindo?

A sociedade em geral, e a brasileira não é diferente, se assenta e se solidifica em valores que ela julga essenciais e imprescindíveis sem o que, por certo, a própria vida em sociedade estaria comprometida.

Inegável que um destes valores no Brasil justamente é o respeito à vida em todas suas etapas de desenvolvimento, por mais frágil que ela seja, até mesmo em cumprimento a valores éticos nobilíssimos como o da solidariedade e do acolhimento aos pequeninos.

Tudo isto, todavia, vem sendo destruído, desconsiderado, deixado de lado por grupos que não representam, longe disto, a história, a tradição, a cultura e a opinião da esmagadora maioria do povo brasileiro.

É por isso, aliás, que estes grupos fazem de tudo para fugir do debate político no qual, por certo, sairiam derrotados.

Utilizam-se do judiciário, infelizmente, como instrumento de manobra, como verdadeiro "atalho", fazendo com que este poder usurpe função que não é dele, porquanto atua como "verdadeiro legislador positivo".

Muito mais democrático seria, evidentemente, apresentar - isto em se deixando de lado discussões acerca da inconstitucionalidade da matéria - proposta de emenda à Constituição Federal "relativizando" a proteção ao direito à vida na hipótese da anencefalia, porquanto aí sim a sociedade, bem ou mal, estaria representada, não ficando refém de uma dezena de Ministros, por mais dignos que sejam, que "não tem a função de legislar" e que, em geral, apresentam formação bastante semelhante - e que não representa a média da opinião da sociedade brasileira nestas questões.

A defesa do direito à vida deve ser irrestrita, não admitindo espaços para "pequenas" concessões.

E nem se diga - como boa parte da mídia gosta de fazer para enfraquecer os argumentos contrários àquilo que defendem - que os contrários ao aborto são "apenas" grupos religiosos supostamente "retrógrados e conservadores".

A luta pela vida alcança e une, é fato, valorosos segmentos religiosos, indo dos católicos aos judeus, passando por muçulmanos, espíritas, budistas, protestantes (a maioria, pelo menos) etc. Todavia, vai muito mais além, alcançando vários profissionais da saúde, pesquisadores, juristas renomados (cito, por exemplo: Ives Gandra Martins, Maria Helena Diniz, Eros Grau, Cláudio Fonteles, Ilmar Galvão etc) e, sobretudo, a imensa maioria do povo brasileiro, formada por gente simples, sofrida, corajosa e solidária.


Fica para reflexão sobre o tema aqui tratado o belíssimo poema de Eduardo Alves da Costa: "Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada".

*Roberto Ferreira Filho, é juiz da Infância e Juventude de Campo Grande.