Leonardo Cabral em 21 de Maio de 2022
Leonardo Cabral/ Diário Corumbaense
Espetáculo conta a história de um jovem que perdeu de repente a visão
Antes de começar a peça, num canto, os cinco atores se concentravam. Já o público, alguns curiosos que ao verem a tenda armada, se aproximavam pouco a pouco, soube o que estava acontecendo, e, ao aceitar acompanhar a peça, tinha os olhos vendados.
Sem enxergar nada pela frente, um por um foi entrando na tenda. Cada um recebeu uma bengala para deficiente visual e com a ajuda dos organizadores, passava por um túnel, com algumas “barreiras”, para que começasse a sentir de fato as reais dificuldades que uma pessoa cega passa no dia a dia. Logo em seguida, se acomodava, aguardando o início da peça.
Leonardo Cabral/ Diário Corumbaense Público teve os olhos vendados e antes da peça começar, passou por um túnel com obstáculos
Ainda conforme ele, a ideia da peça surgiu pelo fato de ter um tio cego, para quem sempre fez questão de contar um pouco do trabalho que faz. "Tenho um tio com deficiência visual e ele sempre pediu para audiodescrever os meu trabalhos, porque sempre trabalhei com arte. Então, a partir daí, pensei em fazer a peça teatral.”
O diretor também mencionou que dirigir o espetáculo, mesmo diante de tantas experiências, foi um grande desafio para sua carreira artística. Ele frisa que a peça tem bastante emoção e humor, retratando de fato a vida de uma pessoa cega, sendo interpretada por um ator cego, com todos os companheiros de cena cegos.
Leonardo Cabral/ Diário Corumbaense Alexandre é diretor do espetáculo e disse que peça surgiu para homenagear o tio que é cego
Primeira vez em cena
No enredo da peça, Lucas, de 25 anos, que trabalha no setor financeiro e acabou de se casar, está saindo do trabalho e se sente incomodado pela claridade da luz do dia que embaça sua visão. Ao sair pela porta do prédio, Lucas caminha pela rua, compreendendo que não consegue ver por onde passa.
Seguindo o enredo da história, Lucas se consulta com vários médicos e então, é comunicado da perda permanente da visão. O público, então, acompanha os processos de reabilitação e tudo de novo que a perda da visão traz para a vida de Lucas.
Para interpretar, Lucas, o ator principal, Jefferson Messias da Silva, de 28 anos, tem a história de vida bem parecida. Ao Diário Corumbaense, ele revelou que perdeu a visão quando tinha 15 anos, quase completando 16.
“Enfrentei a readaptação, assim como o Lucas, o personagem enfrenta. Vivi isso na vida real quando perdi a visão. Sou baixa visão e esse personagem, ainda mais por ser o primeiro de tantos outros que espero interpretar, é um grande presente. Estou muito realizado e feliz por estar interpretando o Lucas. Me identifico e muito com ele. A emoção é o principal para passar para o público. É algo novo, mas que estou muito satisfeito em fazer”, declarou Jefferson, que é estudante de assistente social.
Já a atriz, Monique Lopes, de 23 anos, que nasceu cega, encara o desafio do primeiro trabalho com muita emoção e alegria. Ela é estudante de psicologia e define o momento como uma realização ao estar em cena.
“É meu primeiro trabalho. Sempre quis fazer teatro, sempre foi um sonho, primeiro para melhorar minha fala em público e depois trabalhar a interpretação. Vi que ia ter uma oficina no Instituo dos Cegos, em Campo Grande, e fiquei interessada. Fiz o teste e agora estou aqui. Incrível, é muito trabalhoso, mas é gostoso, principalmente quando a gente vê a reação do público que é o principal, pois o interessante é que eles ficam vendados e têm experiência sensorial, eles trabalham outros sentidos durante a peça. Por alguns minutos conseguem ter um pouco de noção o que nós passamos”, destacou Monique.
Sensação incrível
Ao ter os olhos vendados e passar pelo túnel com os obstáculos, a espectadora, Solange de Melo, que mora na parte alta da cidade, contou que o sentimento foi de medo.
“Não enxerguei nada, passei pelo túnel, senti algo escorregadio no chão, pensei que iria cair. Me deu medo mesmo, pois não enxergava nada. Eu soube que a peça seria apresentada aqui, então, resolvi vir assistir e não estou arrependida, até porque, isso, de perder a visão pode acontecer com qualquer um de nós e a qualquer momento, por uma fatalidade ou doença. É muito interessante, ainda mais pela inclusão, por isso vale o nosso apoio. Todos estão de parabéns. É sensacional mesmo”, afirmou Solange.
Já o jovem Pedro Montecino que passava pelo local, ficou curioso e ao saber o que teria dentro da tenda, resolveu acompanhar. “Olha, é uma experiência muito boa. Apesar de ser uma peça teatral, pode acontecer com qualquer um. Fiquei surpreso em saber que todos os atores são cegos, com toda certeza, pude sentir um pouco do que eles enfrentam”, disse o jovem se referindo ao ter os olhos vendados.
Leonardo Cabral/ Diário Corumbaense No enredo da peça, Lucas, de 25 anos, perde a visão e tem que se readaptar ao que parece ser o novo
O patrocínio é do Instituto Cultural Vale, através da Lei de Incentivo para a Cultura, da Secretaria Especial da Cultura e Ministério do Turismo – Governo Federal, por isso, a estreia deve acontecer numa cidade onde a Vale tenha atividade, caso de Corumbá.
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