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Danos causados pelo abuso sexual chegam à fase adulta e podem ser reproduzidos, diz psicóloga

Caline Galvão em 26 de Outubro de 2015

O Diário Corumbaense conversou com a psicóloga Cristiane Ligier, que atende no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), sobre questões envolvendo o abuso sexual contra menores de idade. Só em 2014, houve registro de 77 casos de abuso sexual, ou seja, qualquer tipo de ato libidinoso contra crianças e adolescente, incluindo o estupro, que foram acompanhados pelo órgão.

Segundo dados do CREAS, 80% dos casos que chegam ao Centro de Referência são relacionados ao abuso sexual contra menores, e a maioria das vítimas são crianças, que dentro do Estatuto da Criança e do Adolescente, são consideradas todas as pessoas menores de 12 anos incompletos. Somente no dia 16 de outubro, chegaram ao CREAS 08 casos suspeitos encaminhados pela Delegacia de Atendimento à Infância, Juventude e Idoso (DAIJI), para acompanhamento.

De acordo com a psicóloga, a maioria das vítimas que chega ao atendimento é menina, mas isso não significa dizer que os meninos não estejam sendo abusados. Os casos envolvendo abuso de meninos têm crescido, mas são poucos os registros por uma questão social. Para Cristiane, os responsáveis pela criança do sexo masculino temem que seu filho seja malvisto pela sociedade por ter sido abusado.

Ela também informou que as pesquisas sobre o assunto mostram que quase a totalidade dos adultos que abusam de menores sofreu a mesma violência quando crianças, sendo o abuso sexual um problema inserido dentro de um ciclo de violência. Alguns assuntos referentes ao tema foram abordados nesta entrevista.

Psicóloga Cristiane Ligier afirmou que os danos psicológicos causados pelo trauma são profundos e levados por toda a vida

DC: Quais são os danos que o abuso sexual pode causar na criança e no adolescente?

Cristiane - A gente pode caracterizar os danos em dois aspectos, o físico e o psicológico. Os danos físicos são quando ficam algumas marcas visíveis no corpo, quando há lesão, não só nos órgãos genitais. As manifestações psicológicas causam lesões físicas também. Isso porque o abuso é uma invasão muito íntima na criança e no adolescente, eles passam por uma etapa que eles não estão ainda preparados. Uma criança de 6, 7 anos não tem órgãos preparados, é uma agressão muito grande, é uma violação à dignidade da criança. O dano psicológico é o mais difícil de ser observado e é o mais grave. A criança vai ficando apática, ela não quer mais sair de casa, não quer mais ir à casa dos parentes, a criança fica muito quieta ou começa a falar demais. Aquela criança que tem comportamentos sexuais inadequados para a idade, que começa a querer erotizar as relações, coloca um shortinho e começa a querer seduzir. Insônia, aquela criança que tem um medo extremo e que não consegue sair de perto dos pais, depressão, até tentativa de suicídio, que aumentou muito entre crianças e adolescentes. A gente tem que ver se esses suicídios estão acontecendo devido a abusos. Tem crianças que falam bem e de repente começam a apresentar gagueira, o que também é sintoma. Na escola, a criança começa a ficar tão dispersa que não consegue aprender. Esses são os comportamentos mais observáveis.

DC: A criança e o adolescente abusados sexualmente podem levar esse tipo de trauma para a fase adulta?

Cristiane - Ele leva esse trauma para a fase adulta porque temos etapas na vida para passar, se você transgrediu alguma delas, ou não viveu aquela etapa, leva o trauma. Eu já atendi adulto que passou a ter problema dentro do relacionamento, já casada, porque foi abusada na infância. A gente percebeu que as meninas que a gente atendeu, que foram para a exploração sexual, quando a gente começa a investigar, elas passaram por abuso. Tem uma fala interessante de uma menina que disse: “se meu pai e meu tio faziam isso dentro de casa, por que não posso ganhar dinheiro?”, e olha que essa menina tinha 06 anos. Geralmente os abusos ocorrem dentro do seio familiar e não é o padrasto quem mais abusa. Por pesquisas e pelo nosso atendimento são pais os que mais abusam. Esse abuso é reproduzido pela criança e ela vai percebendo onde ela pode ganhar com isso e a revolta é o que leva para a rua, para o uso abusivo de drogas, a gente tem muito uso de drogas em decorrência do abuso sexual, uso de álcool também. Atendemos meninas que cometem ato infracional, menina homicida, e quando a gente vai investigar, ela sofreu abuso, foi para a exploração, chegou ao crime e tocou fogo em um homem com as mesmas características daquele que a abusou na infância. Algumas mulheres que não conseguem manter relacionamentos têm essa dificuldade porque elas sofreram abuso. Isso porque quando você sofre abuso, a questão do vínculo afetivo é quebrada, você só desenvolve a questão da erotização e não a afetividade. Pelas pesquisas, a gente vê que quase 90% dos abusadores foram abusados também na infância, estando essa violência dentro de um ciclo, quem foi abusado, abusa quando chega à fase adulta, no entanto, não são todas as pessoas que foram abusadas que praticam o mesmo ato quando crescem.

DC: Como os pais podem proteger as crianças e adolescentes do abuso sexual?

Cristiane - Nesse mundo que vivemos, a gente desaprendeu a prestar atenção no filho. A gente tem que conversar com o filho, preparar o filho para essa questão do abuso. O pai e a mãe devem explicar para a criança que ninguém pode “mexer” no que é nosso. Tem que falar que nem a mamãe, nem o papai podem “mexer”, porque mulher abusa também. Teve um caso recente em Campo Grande que a tia abusou da própria sobrinha. Os pais precisam prestar atenção no comportamento. O adolescente geralmente se isola, mas não é normal o isolamento excessivo.

DC: Como os pais podem identificar sinais de abuso sexual, além da mudança de comportamento?

Cristiane - Quando a criança é muito pequena, na hora do banho a gente tem que perceber se tem vermelhidão nos órgãos genitais, se está tendo corrimento, coceira, só que são sintomas ligados a qualquer infecção. Quando percebe isso, não é para sair desesperada achando que a filha foi abusada, tem que conversar com a criança porque criança fala tudo. É necessário brincar com os filhos porque as crianças reproduzem tudo nas brincadeiras. O brincar com o filho, o conversar com seu filho, se você lê uma história de Branca de Neve, por exemplo, ele vai relatar se tiver um abuso ali. Uma música do pintinho amarelinho, ele vai relatar. A gente tem que prestar atenção nessas pequenas coisas. E adolescente é da mesma forma, ele não é inimigo dos pais, ele pode conversar, é só ter um tempo para isso.