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Jornalistas bolivianos são mantidos reféns por manifestantes que ameaçaram queimá-los vivos

Leonardo Cabral em 29 de Outubro de 2021

Reprodução/ EL DEBER

Jornalistas foram rendidos por manifestantes durante conflito por terras

Jornalistas da Bolívia viveram momentos de terror na propriedade Las Londras, localizada na província de Guarayos, entre os municípios de El Puente e San Julián, onde 80 homens, todos encapuzados e com armas de fogo, sequestraram 17 pessoas de uma comitiva de 20, quando chegavam ao local para entrevistar supostos camponeses acusados ​​de invadir a propriedade a mando de produtores.

Eram 11 da manhã de quinta-feira (28). A delegação sobrevoou a área e depois seguiu para o local em seis caminhonetes. Um grupo de policiais liderados pelo comandante da região da Chiquitania, Rolando Torrico, chegou à propriedade porque um dia antes, quatro trabalhadores foram feridos a tiros.

Enquanto jornalistas e policiais tentavam diálogo a 800 metros de onde os manifestantes estavam, a delegação foi surpreendida por cinco veículos ocupados por homens encapuzados e armados, que fizeram reféns parte da comitiva. “Eles estavam organizados, todos fortemente armados com espingardas e outras armas”, contou a jornalista Silvia Gómez, da rede de televisão Unitel.

Os jornalistas tentaram escapar depois de viram manifestantes forçando um coronel da polícia e outro policial a se deitarem no chão e foram agredidos com chutes. Logo em seguida, os agressores entraram na frente dos veículos em que estava parte da delegação, atiraram nos pneus e forçaram os ocupantes a sair.

Depois disso, chegaram mais de 10 pessoas, a maioria encapuzada, com diferentes armas de fogo e as apontaram diretamente para os poucos policiais que estavam no local, para os trabalhadores, jornalistas e parentes dos proprietários de Las Londras, local que foi invadido.

Foram momentos de grande tensão. Apenas um cinegrafista da rede de TV  PAT, Róger Ticona, um dos donos da propriedade, Rony Roca, e o motorista conseguiram escapar. Foi graças a eles que a Associação dos Produtores de Oleaginosas e Trigo (Anapo) - que havia convocado jornalistas para registrar a situação, souberam do que estava acontecendo e do sequestro da delegação.

No cativeiro 

Os que permaneceram foram insultados e chamados de traidores, ameaçados de serem queimados vivos. Os policiais foram os mais agredidos. Os 17 reféns foram levados para o acampamento dos manifestantes, onde a tortura continuou. Eles foram espancados e chutados por horas. 

As câmeras foram tomadas dos jornalistas e destruídas com golpes e tiros para que não houvesse registro dos fatos. Um dos cinegrafistas foi agredido a coronhadas e outro, ameaçado de ser queimado vivo. Outra vítima relatou que os encapuzados gritaram: "San Julián se respeita".

Apesar da violência, o comandante da Polícia da Chiquitania procurou negociar. Ele pediu para falar com os líderes do grupo. Disse que a caminhonete que conseguiu escapar com um jornalista certamente iria pedir reforço. Informou que um contingente de mais de 500 policiais iriam até o local e libertá-los e que o confronto não valia a pena. Por fim, ele conseguiu convencê-los e às 18 horas, os sequestradores libertaram os reféns.

Os jornalistas

Foi um dos momentos mais tensos da minha carreira”, relatou, Jorge Gutiérrez que é fotografo do jornal El Deber. “Passamos pelos arames cortados. À medida que avançávamos, o número de membros da comunidade aumentava. O chefe de Polícia aproximou-se deles e explicou o trabalho que estávamos fazendo e se queriam dar a sua versão dos acontecimentos. De repente, homens encapuzados e armados saíram da mata. Quando fomos entrar nos carros, era tarde demais. Estávamos cercados. Eles gritaram para ficarmos quietos e que éramos traidores. Queriam tirar a câmera de um colega, bateram na cabeça dele e quebraram o equipamento. Policiais e trabalhadores foram espancados e chutados várias vezes”, contou.

“O clima estava muito pesado. Eram pessoas violentas e quando mandaram nos deitar de bruços, pensei que iam atirar em nós. Então, gritaram para que nos levantássemos e nos levaram para o acampamento. Nesse local, os trabalhadores e policiais foram mais uma vez espancados. Foram horas de grande tensão, em que a Polícia negociou com os líderes do grupo, para os convencer de que não valia a pena manter-nos sequestrados, pois a situação podia piorar”, contou Jorge.

Já a jornalista da rede de TV Unitel, Silvia Gómez, falou que “quando eles apontaram suas armas para nós, pensei que estava morrendo. Fomos reféns por sete horas. As pessoas nos emboscaram, saíram do mato com espingardas, direto para atirar”, relembrou o momento.

Silvia ainda contou que eram 80 pessoas, entre homens e mulheres. Todos encapuzados. “Eles nos espancaram, perguntaram porque tínhamos ido e quanto nos pagaram. No momento em que nos mandaram deitar no chão e apontaram a arma para nós, pensei que não sairíamos dali. Saímos com os carros que estavam com os pneus furados para uma propriedade próxima. Eles (os sequestradores) estavam com motocicletas e falaram que se nos interceptassem novamente, iriam nos pegar e que não era para que contássemos como tudo aconteceu. Graças a Deus conseguimos sair vivos", desabafou.

Ainda foram mantidos reféns profissionais de outros veículos de comunicação como a rede de TV ATB e o jornalista da Red Uno e PAT.

Nesta sexta-feira (29), jornalistas fizeram protesto em Santa Cruz de la Sierra pedindo respeito à liberdade de imprensa e ações contra os grupos armados. 

O local

Adalberto Rojas, diretor departamental do INRA Santa Cruz, disse que a propriedade Las Londras passou por um longo e tedioso processo de saneamento e que, resolução do Tribunal Agroambiental, a verificação da Função Socioeconômica (FES ), determinou que 90% dos 18.000 hectares de Las Londras são terras públicas e apenas 10% se destinam à produção agrícola.

A respeito do ocorrido no norte de Santa Cruz, Rojas considera que o objetivo desses atos é confundir a opinião pública e não permitir que a resolução seja cumprida. “É preciso saber onde ocorreram os fatos se em áreas privadas ou em terras públicas”, disse a autoridade e comentou: “eles se sentem afetados porque são 18 mil hectares e estão agindo para que o INRA mude seu laudo”, uma clara alusão aos proprietários de terras produtivas sem falar no sequestro das 17 pessoas. 

Com informações do jornal El Deber.