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Festeiros de Corumbá preservam tradição de banhar São João no rio Paraguai

Leonardo Cabral em 24 de Junho de 2019

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Andores percorreram a Ladeira Cunha e Cruz até chegar às margens do rio Paraguai

O colorido das bandeirolas indicavam aos centenas de devotos o caminho até as águas do rio Paraguai, para banhar a imagem de São João, no Porto Geral de Corumbá. Um por um dos andores, carregados pelos devotos, percorria a Ladeira Cunha e Cruz até às margens do rio, mantendo viva uma tradição com influência portuguesa, que ultrapassa gerações e que se repete todos os anos na noite de 23 para 24 de junho.

O ritual, que remete ao batismo de João Batista nas águas do rio Jordão, faz de Corumbá, única cidade do Brasil a manter uma tradição secular,  quando a festa não tinha estrutura para receber os festeiros, que mesmo assim, vinham até o Porto Geral, para banhar a imagem de São João.

Toda a festa começa na casa dos devotos. Lá, eles preparam comidas típicas, rezam pelas graças alcançadas e pedem bênçãos a São João. Muitos, cumprem ou agradecem pelas promessas feitas. 

Os andores, cada um com suas peculiaridades, seja ele grande, médio ou pequeno, se encontram na Ladeira Cunha e Cruz. A reverência entre eles é um dos pontos mais cultuados pelos festeiros, seja na hora da descida, subida ou até mesmo nas margens do rio. Os cortejos são acompanhados por cânticos em louvor a São João, com ritmo marcado por instrumentos como violões; sanfonas e bumbos.

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Epifânia disse que herdou tradição da tia e que desde 1954 renova sua fé e agradece a São João

Para a festeira, Epifânia da Silva Bastos, que desde 1954 mantém a tradição de trazer a imagem de São João para ser banhado no rio, o momento sempre é de renovação. “Começou com uma tia, mas ela se foi e deixou a imagem comigo, e desde então, faço a festa de São João e venho banhar a imagem nas águas do rio Paraguai. É um momento de renovação e acima de tudo, de agradecimento por tudo que ele nos permite. Sempre me agarro à fé e digo a ele que dê força e saúde para que eu possa estar aqui mais um ano para realizar a sua festa”, destacou Epifânia ao Diário Corumbaense.

Representando a festeira Maria Helena Ortiz, do bairro Generoso, a filha dela, Elaine Ortiz, veio para a Ladeira Cunha e Cruz, acompanhada dos devotos que ajudam a manter viva a tradição da família. “Minha mãe não pode vir esse ano por problemas de saúde, mas estamos aqui para interceder pela rápida recuperação dela, para que possa estar aqui em 2020, como todos os anos, uma tradição que está em nossa família há uns 80 anos”, disse Elaine que tem um diferencial, pois o cortejo da família Ortiz, traz a sua própria banda, que os embala ladeira abaixo.

E em meio a tantos devotos, em passos mais lentos, a moradora de Campo Grande, Astrogilda Lopes Rabelo, que todos os anos vêm a Corumbá celebrar São João, falou que nem mesmo a idade, 89 anos, a impede de fazer a renovação da fé, nas águas do rio Paraguai.

Leonardo Cabral/ Diário Corumbaense

Dona Astrogilda, de 89 anos, mora em Campo Grande, e disse que tradição deverá ser seguida pelo filho

“É um momento muito especial que repito há 25 anos. Todos os anos venho de Campo Grande e trago minha imagem de São João. É uma renovação da fé que tenho no santo, agradeço pelas graças alcançadas e peço saúde e felicidade para todos”, falou dona Astrogilda que veio acompanhada da amiga Therezinha de Capo, que também traz a imagem do santo, após ter sua saúde recuperada.

Ainda de acordo com ona Astrogilda, a devoção a São João não pode parar. “Vou completar 90 anos de vida e estarei aqui até quando São João me der forças, caso não possa mais continuar, já disse que meu filho irá continuar com essa renovação de fé”, afirmou a devota.

Na fé, matrimônio também é tradição

Em meio à fé e devoção, há àquelas pessoas que participam da festa no intuito de arranjar um casamento. Diz a tradição, que se a pessoa ou casal passar sete vezes debaixo dos andores, no outro ano casa.

Com o sorriso no rosto, a jovem Joice Sambrana disse a este Diário que desde pequena participa da festa e que este ano, resolveu passar  debaixo dos andores, para quem sabe, consiga um casamento. 

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Muita gente passou debaixo do andor em busca de casamento, pedindo ou agradecendo por graças alcançadas

“Já passei debaixo de 10 andores pra garantir. Desde pequena fui instruída a essa cultura da cidade, de passar debaixo do andor para se casar ou ficar com alguém. Mas isso também significa pedir proteção e saúde para São João”, falou Joice que está namorando. “Namoro e quem sabe no ano que vem estarei aqui casada com meu amor”, completou.

Não só em busca de casamento, Rosiane Godoy, falou que passar debaixo dos andores tem outro significado. “Se arrumar um casamento será melhor ainda, mas estou aqui para agradecer e pedir cada vez mais força a São João, para que possamos estar aqui todos os anos festejando ele nessa festa maravilhosa que só tem em Corumbá”, mencionou.

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Aos 68 anos, Maria Roseli foi vestida de noiva para pedir por casamento

E se os devotos mantêm a tradição, tem gente que veio até preparada para o casamento. Vestida de noiva, Maria Roseli, disse que esse ano ela tem que se casar. “Tenho que arrumar um casamento esse ano de qualquer jeito. Estou aqui na esperança para que o ano que vem, possa estar aqui com meu esposo”, disse com muita alegria e simpatia a devota de 68 anos.

Agentes de preservação culturais

Este ano, a Prefeitura de Corumbá certificou mais de 100 festeiros como agentes culturais. São eles que todos os anos ajudam a tradição a não se perder. A festa está em busca do Registro de Bem Imaterial Nacional, mas ela ela já é Patrimônio Imaterial de Mato Grosso do Sul.

“Essa é a tradição que Corumbá tem. Para nós a festa não é gasto, mas sim, um investimento que gera renda, emprego, ou seja, fomenta nossa economia e através disso, temos a finalidade de propiciar essa festa importante para o nosso município que a cada ano, inova e faz diferente”, frisou o prefeito Marcelo Iunes ao descer com o andor oficial da Prefeitura, acompanhado do deputado estadual Evander Vendramini, do presidente da Câmara de Corumbá, o vereador Roberto Façanha, entre outras autoridades.

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Ritual de banhar imagem de santo no rio Paraguai, remete ao batismo de São João no rio Jordão

A deputada federal, Beatriz Cavassa, também salientou a festa como importante para a encomia da cidade. “Mais um ano estamos aqui descendo com São João para banhá-lo nas águas do nosso precioso rio Paraguai. A festa é importante, pois temos que fomentar cada vez mais, ela tem um significado não só para a nossa cultura, mas para toda a nossa população. Uma alegria que se e renova da fé acima de tudo”, destacou.

Totalmente encantada com a alegria corumbaense, a diretora-presidente da Fundação de Cultura do Estado, Mara Caseiro, destacou a importância dos festeiros. “São eles que ajudam a manter viva essa tradição. Estou encantada com a alegria, preparativos e acima de tudo com a fé. É uma festa que envolve a todos. Isso é muito importante para a nossa cultura, não só de Mato Grosso do Sul, como do Brasil também”, concluiu.

A louvação ao santo tem dois momentos marcantes durante a procissão pelas ruas da cidade. Ouve-se primeiro a ladainha: “Deus te salve João/Batista sagrado/O teu nascimento/Nos tem alegrado”. Logo, a banda imprime um ritmo carnavalesco e o povo pula de alegria, cantando: “Se São João soubesse que hoje era o seu dia/ Descia do céu à terra/Com prazer e alegria”. Durante o banho, o povo entra na água, toca a imagem, se percebe a religiosidade dominante. Aos gritos de “Viva São João”, escuta-se batuque da umbanda na beira do rio, anunciando a presença de entidades num grande terreiro. Os pagadores de promessas se ajoelham com emoção e fé fervorosa. O andor retorna para a casa do festeiro, subindo a Ladeira, onde é tradição cumprimentar quem desce.

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