Compromissado com a cultura, Dr. Gabi fundou pré-escolas, museu e biblioteca

Construída na década de 1940, a casa do Dr. Gabriel Vandoni de Barros abriga inúmeras obras de arte, principalmente pinturas, e mostra o quanto o senhor Gabi, como é carinhosamente conhecido, valorizava a arte, a cultura e a intelectualidade. Advogado, jornalista, escritor, pecuarista e político, foi um grande influenciador da sociedade corumbaense. Compromissado com a formação cultural das crianças, projetou mais de vinte pré-escolas e treinava professores.

Dr. Gabi era apaixonado pela obra mais famosa de Miguel de Cervantes, Dom Quixote. Por toda a casa é possível ver diversas homenagens ao personagem do escritor espanhol através de livros, quadros, busto de madeira, trechos da obra esculpidos em parede de pedra e a criação de um espaço chamado sala Dom Quixote. “De todas as epopeias, ele achava a mais importante a de Dom Quixote porque era tido como um Cristo que quis salvar o mundo e não conseguiu, então ele morreu lutando por uma filosofia para modificar o mundo. É um clássico da literatura mundial”, explicou Miriam da Costa Carvalho, filha única e adotiva de Dr. Gabi.

Segundo ela, havia um armário na sala Dom Quixote cheio de livros enormes e pequenos sobre o personagem. O cata-vento no alto da casa em homenagem a Dom Quixote foi desenhado por ela. No mesmo espaço da casa há uma quantidade enorme de lembranças trazidas de viagens, inclusive artigos estrangeiros. Ela contou ao Diário Corumbaense que a residência era repleta de quadros do artista plástico corumbaense Jorapimo e o Dr. Gabi ajudou muito o artista, tanto financeiramente quanto com apoio para que ele continuasse pintando e divulgando suas obras. De acordo com ela, os dois eram grandes amigos.

Dr. Gabi fundou a Casa do Massabarro, em 1982, o Museu do Pantanal e sua biblioteca que tinha cerca de mil obras. Mantinha contato com grandes escritores brasileiros e ganhou inúmeros livros de intelectuais como Carlos Drummond de Andrade, Homero Homem e Érico Veríssimo. A biblioteca funcionava na casa, mas, segundo Miriam, ele doou todas as obras e o museu para o município.

O advogado e marido de Miriam,  José Tocqueville de Carvalho, lembrou que Dr. Gabi fazia parte da Academia Corumbaense de Letras e escreveu três livros. Um deles é “A Rosa e o Vento”, uma coletânea de poemas de amor que fez em homenagem à esposa, Augusta Gomes da Silva Barros. Escreveu também A Burla do Voto na Nova República (1933) e Origem da Coligação Mato-Grossense (1936).

O Dr. Gabi se preocupava com a cultura das crianças e fez questão de construir 23 Estrelinhas, que eram prédios onde funcionavam pré-escolas padronizadas, hoje só existe uma, a Estrelinha Verde, localizada na rua Porto Carrero. “Em cada escola estadual tinha uma estrelinha que ele construía em anexo, toda mobiliada”, contou José Tocqueville de Carvalho que lembrou também que seu sogro fundou as duas primeiras salas de aula para deficientes auditivos da cidade.

“Meu pai passou vários meses indo a São Paulo para construir creches padrões em Corumbá com todos os banheiros adequados a crianças pequenas, os berçários padronizados, ele treinava professores, tinha um corredor nos berçários todo telado para que ventilasse para as crianças”, recordou  Miriam Carvalho.

José Tocqueville lembrou também que seu sogro havia participado de um encontro de trovadores que aconteceu em Corumbá e recebeu inúmeros poetas em sua casa. “Aqui em Corumbá eles fizeram encontro de trovadores, conhecido como ‘Jogos Florais’, e ele recebeu vários poetas, trovadores de vários locais do Brasil inteiro, faziam as refeições aqui, ficaram hospedados nos melhores hotéis da época”, afirmou.

A casa e o convívio dos pais com a filha

De acordo com a filha do casal, o local da casa mais frequentado pelo Dr. Gabi era o seu escritório, no primeiro andar, onde lia diversas obras e fazia suas anotações. “Essa casa era muito bem organizada, tinha uma equipe de funcionários excelentes, recebia sobrinhos e afilhados quase todos os domingos. Dona Neta trabalhava muito, era secretária do marido em todas as fazendas, conhecia o nome de todos os funcionários”, disse Miriam. “Quando eu era criança, almoçávamos cedo e ela me fazia brincar de esconde-esconde, de pegador, para fazer a digestão, tomávamos um banho e íamos para a Casa Pernambucana, Riachuelo ou Casa Sahib fazer compras. A lista dos pedidos dos empregados ia desde botão a linha, corte de calça, corte de camisa, a vestido, de saia, corte de blusa. Nós chegávamos, organizávamos, colocávamos em sacos de pano tudo, ela costurava com agulhas grandes e colocava os nomes para depois viajar de lancha para cada local onde deveria ser distribuído para as fazendas e nunca extraviou nenhuma compra que ela mandava”, relembrou.

Miriam contou a este Diário, em visita à casa que morou durante toda a infância, juventude e frequentou na fase adulta, que o Dr. Gabi e sua esposa Augusta, conhecida como dona Neta, por ter o mesmo nome que a avó, foram de grande importância para a sua formação pessoal e intelectual. “Eles são tudo na minha vida. Eu devo a minha vida, a minha educação, a minha cultura, tudo, eles foram os pais que eu não tive e eu fui a filha que eles não tiveram. Eu sou muito feliz”, disse emocionada. Professora de inglês, dona Miriam estudou no Rio de Janeiro dos 11 aos 23 anos e frequentou o Santa Marcelina, no Alto da Boa Vista, um dos melhores colégios do Rio. Naquela cidade conheceu o seu marido.

De 1986 a 1991, a família foi morar no Rio de Janeiro para tratamento médico do Dr. Gabi e de dona Neta. Gabriel Vandoni de Barros faleceu no dia 09 de julho de 1988, no Rio, depois de lutar contra um câncer. Sua esposa, dona Augusta, faleceu dois anos e meio depois.