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Os 40 carnavais de Tanabi, a história viva da folia corumbaense

Camila Cavalcante em 03 de Fevereiro de 2016

Em 1975, o paulista José Antônio Garcia chegou a Corumbá para dar início aos estudos em uma faculdade e  também fundar a Secretaria do Estado de Turismo do antigo Mato Grosso Uno, a divisão ainda não havia acontecido. Ele nem imaginava que nos meses que seguiriam seriam traçados  40 anos de sua vida.

“Cheguei aqui em Corumbá, em dezembro de 1975 e, logo no início de 1976 houve a concorrência para a decoração do carnaval do Corumbaense e o projeto da decoração foi do meu amigo Jorapimo (artista plástico já falecido) e então, na época, o presidente do clube, o senhor Rafael Cândia, me chamou e pediu: 'Tanabi, eu queria que você montasse esse projeto, o Jorapimo ganhou e queremos que você execute'. E assim foi o meu primeiro trabalho no carnaval de Corumbá e desde então, nunca mais parei”, assim Tanabi, como todos o conhecem, deu início à direta e intensa participação no carnaval de Corumbá.

O então acadêmico se envolveu não só com o carnaval mas com toda a cidade. Ao longo dessas quatro décadas exerceu diversos cargos dentro da administração pública municipal e se  manteve uma pessoa agradável, dedicada e cheia de histórias para contar.

Anderson Gallo/Diário Corumbaense

Tanabi é lotado na Fundação de Cultura e está diretamente envolvido na preparação do carnaval culturual

“Estava junto com nossos amigos desde o primeiro desfile de fantasias, cerca de 35 anos atrás, no Corumbaense e acompanhei  todas as edições. Ao meu ver, este evento marcante de nosso carnaval evoluiu a tal ponto, que o realizamos no Centro Múltiplo de Esportes, Cultura e Lazer Nação Guató. Hoje, há muito material que dispõe de qualidade para trabalharmos, que não tínhamos nos primeiros anos de desfile no Corumbaense. Um exemplo que posso dar, é em relação aos recursos. Antes trabalhávamos com papel laminado para cobrir os papelões, não existia cola quente, fazíamos  a cola quente de farinha, que era um grude, queimávamos as mãos. Confeccionávamos a farinha de um dia para o outro, aquilo azedava e tínhamos que fazer tudo outra vez. Hoje o TNT é usado em quase todos os acabamentos, e antigamente não tínhamos essa facilidade, usávamos o papel crepom, o laminado, o manteiga. Quando chovia era um desastre, não tinha jeito, já vi muita escola de samba, bloco, folião, perder fantasia por conta da chuva”, rememorou Tanabi, que ganhou o apelido ainda no seminário, em São Paulo. "Eram muitos 'Josés', "Antônios', então como morava na cidade paulista de Tanabi, ganhei o apelido e quando cheguei em Corumbá, encontrei um amigo aqui, que logo me apresentou como 'Tanabi' e assim ficou", contou ao Diário Corumbaense o paulista nascido na cidade de Poloni. 

Entre as lembranças de estrutura, Tanabi lembrou que os primeiros carros alegóricos a descerem para a avenida General Rondon eram jipes e fuscas, que ganhavam adornos para carregarem os destaques das escolas de samba.

“As rainhas, as figuras de destaque, desfilavam nos jipes e nos fuscas, tirávamos os capôs da frente e ali as pessoas subiam e desfilavam, era uma engenhosidade e muita alegria. Era tudo disfarçado com tecido. O carnaval de 1978, ao meu lembrar, foi um dos mais belos. Tivemos mais de 30 fantasias de luxo, com pedras bordadas uma a uma, desfilando pela avenida General Rondon, sem falar que os carnavalescos da escola desfilavam no chão, com seus mantos, que tinham cerca de dois metros, e até precisavam de ajuda para desfilar. Isso era um delírio para a população, todos queriam tirar fotos, neste ano, cada escola colocou cerca de 20, 30 destaques desfilando no chão, sem carro alegórico, foi muito luxuoso, muito bonito, tanto as fantasias, quanto o reconhecimento da população com a criatividade e força de vontade dos carnavalescos”, recordou.

Marcos Boaventura/Arquivo

Tanabi foi o primeiro "Frei Mariano" do bloco Sandálias, fundado pela saudosa Helô Urt

Lembranças e histórias: Helô; a 'Tia', Frei Mariano e Cibalena 

Em 2004, Tanabi assumiu a presidência da Liga Independente das Escolas de Samba de Corumbá (Liesco) e viu o surgimento de novas agremiações carnavalescas. “Em 2004 assumi a Liesco e no ano seguinte foram criadas mais escolas de samba. Vi surgir a Caprichosos, a Imperatriz, a Mocidade Independente da Nova Corumbá e também vi acabar muitas agremiações que existiam. A disputa que há hoje, sempre houve e isso faz parte, é saudável. O que temos que frisar, é que antes tínhamos muito trabalho para confeccionar o carnaval. Hoje, há mais recurso, há mais facilidades. Lembro-me do Getúlio, carnavalesco da Vila Mamona. Eu era professor, ele me pedia para não passar muita tarefa para os alunos,  pois a comunidade estava com muito trabalho por conta do carnaval e era ele quem acabava fazendo. É muito bom relembrar de todos aqueles que construíram o carnaval da cidade, como o Benevides, da Vila Mamona, a dona Venância da Império, dá muita saudade daquela época, muita mesmo”, disse emocionado a este Diário.

Ao falar sobre a fundação do bloco Sandálias de Frei Mariano, surge então uma das figuras mais marcantes e incentivadoras do legítimo carnaval de Corumbá: Heloísa Hurt. “Estávamos conversando, Helô e eu, que não tínhamos tempo de brincar o carnaval, pois estávamos sempre envolvidos na organização. Aí Helô sugeriu que fizéssemos um dia somente para que os funcionários envolvidos na organização pudessem brincar, Assim surgiu o bloco Sandálias de Frei Mariano e, quando vimos, a Helô já havia feito até a marchinha do bloco. Tive o prazer de ser o primeiro "Frei Mariano" do Sandálias e foi algo que me marcou, pois no final da festa, já na avenida, o pessoal embalado pelas bebidas, olhava para mim, vestido de Frei Mariano, e falava, 'vamos acabar com a praga jogada na cidade e vamos jogar esse Frei no rio'. Fiquei com medo, puxei a batina que vestia e saí correndo, foi uma situação que hoje é engraçada, mas na hora, deu medo sim. A Helô deixou muitas saudades”, lembrou.

Tanabi participa de diversos blocos, escolas de samba e nas atividades de rua do carnaval. Os blocos conhecidos como de “sujos”, aqueles em que os homens se fantasiam de mulher, trazem grandes momentos de risadas e de recordações.

“Em 1976, desfilei no bloco Bola Preta e na época, o presidente, Pedro, meu grande amigo que tenho muitas saudades, fez uma saia com uns guizos na ponta e aquilo derrubava gente, era uma coisa atípica na época, mas também, era muita alegria, era muito contagiante. Vi o Cibalena crescer, ele começou timidamente, e hoje arrasta uma multidão, é maravilhoso ver isso. Na época, ver um homem vestido de mulher era traumático, as pessoas se assustavam, e ao longo dos anos, isso foi superado, tanto que é um dos maiores blocos do interior do Estado de Mato Grosso do Sul, ele acaba arrastando 15 mil componentes pra rua. O Cibalena é muito bonito, pois é uma festa gratuita, de manifestação gratuita do povo, ninguém precisa pagar nada, é uma alegria espontânea, de grande valor cultural, de grande valor para o nosso carnaval, é uma representação, ao meu ver, bem brasileira, espontânea, livre”, contou Tanabi, que marca até hoje a descida do Cibalena, com seu conhecido personagem “A Tia”.

Anderson Gallo e Arquivo pessoal

"A Tia", personagem de Tanabi no bloco de sujos Cibalena; na 2ª foto, em uma das edições do desfile de fantasias

Carnavais vividos, para sempre um folião corumbaense

40 anos em Corumbá, 40 carnavais e 39 anos de casado com a corumbaense Kátia Rufino. São grandes as comemorações de Tanabi neste ano. “Corumbá me seduziu de todas as maneiras possíveis, vim para cá estudar, em menos de um ano namorei, noivei, casei, depois de alguns meses, fomos abençoados com um filho, depois veio outro, hoje já tenho uma neta. É muito a se comemorar nesta cidade que me acolheu. Sou natural do interior de São Paulo e já sou corumbaense, me sinto corumbaense e já recebi até título de cidadão corumbaense, foi em 2001. Não saio mais desta cidade, tenho muito a fazer por aqui ainda, tenho muitos carnavais a ajudar a construir”, disse emocionado.

O Carnaval de 2016 está bem próximo, e Tanabi já está até pensando no que virá em 2017. Ele acredita que o carnaval deve, cada ano que passa, focar no fato de ser um momento de brincadeira, de felicidade, de vida. “Hoje vemos momentos que nos entristecem no carnaval e acredito que é nesse ponto que o carnaval pode ser melhorado. O carnaval deve ser visto como uma grande brincadeira, como vida e que todos os foliões extravasem sua alegria, seu entusiasmo, em que ser feliz é o mais importante, nos sentindo numa grande família em festa”, concluiu.

Atualmente, Tanabi é Gerente de Difusão Cultural da Fundação de Cultura de Corumbá. Neste ano, ele integra a equipe que organiza o carnaval de Corumbá, com riscos de fantasias, criação das figuras e dos roteiros. Tanabi já percorreu diversos setores do carnaval: pertenceu a comissões julgadoras; organizador das atividades do carnaval municipal; foi aderecista; carnavalesco da escola de samba A Pesada; e sempre será um eterno folião, mas que se destaque muito bem: um “folião corumbaense”.

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