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Samba ou enredo, o que vem primeiro?

Coluna Coisas da Língua, com Rosangela Villa(*) em 06 de Fevereiro de 2024

Caros leitores,

Parece-nos estar diante de um paradoxo daqueles do tipo: quem surgiu primeiro, o ovo ou a galinha? Em se tratando de Carnaval, nem o samba ou o enredo precedem o tema do desfile escolhido pela Escola de Samba, somente após essa definição tudo começa a ser  construído: o samba e a materialização do próprio tema.

O samba-enredo ou samba do enredo se constitui num sub-gênero do gênero musical samba, nomeadamente do samba urbano carioca. Com a missão de  mostrar na composição o tema do desfile e, portanto, ter uma letra pré-determinada e uma melodia, o samba-enredo passou a ter regras próprias contribuindo para a profissionalização do Carnaval.

Assim, após a escolha do tema do desfile, o que ocorre depois de  muitas reuniões, discussões e argumentações da Diretoria da Agremiação, o samba é encomendado ao compositor e o enredo ao carnavalesco. Essa roda viva tem início, portanto, com a escolha do tema do desfile.

Após isso, começa o árduo e delicado trabalho de pesquisar o conteúdo do tema, da composição do samba e da materialização da ideia por meio da criação artística do carnavalesco. O enredo costuma ser apresentado em setores e alas, em que se inserem alegorias e outros elementos cênicos.

A criação artística não tem limite, desde que o  conteúdo – fantasias e alegorias, estejam coerentes com a proposta do tema. Assim, fantasias e  alegorias em consonância com o tema e bem sequenciadas no desfile exercem papel fundamental na avaliação do enredo. Da comissão de frente ao último desfilante, o espetáculo deve ser artístico e harmonioso, com ritmo e evolução na cadência do samba puxado pelo intérprete.

O samba, como um dos principais elementos do desfile, costuma ser escolhido pela própria comunidade em concurso realizado, mas nem sempre é assim. Em Corumbá, somente uma Agremiação mantém tradição nessa forma de escolha. Mas não existe um elemento ou função mais importante que a outra dentro de um grande espetáculo, que é o desfile, o êxito depende de cada um e de todos.

O carnavalesco, por exemplo, não pode receber de última hora “um pedido” para encaixar cinco fantasias no desfile, por mais deslumbrantes ou icônicas que sejam, porque não é assim que funciona, não é o enredo que deverá ser ajustado para “encaixar” fantasias, mas o contrário, todas as fantasias, alegorias e elementos cênicos devem estar relacionados coerentemente ao enredo.

Quando o contrário acontece, a Escola perde sua espontaneidade e autonomia e tem sua avaliação prejudicada. Pois bem, meus queridos leitores e amantes do Carnaval de Corumbá, o samba não vem antes do enredo ou este daquele, o que vem primeiro é a definição do tema do desfile. Muito embora o samba seja o responsável por puxar o desfile e transmitir o enredo. Saudações carnavalescas!

(*) Rosangela Villa da Silva, Profa. Titular da UFMS, Mestre e Dra. em Linguística pela UNESP, com Pós-Doutorado em Sociolinguística pela Universidade de Coimbra/Portugal.