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Justiça reitera proibição de venda de bebidas alcoólicas a menores de idade

Caline Galvão em 04 de Maio de 2016

A Justiça Estadual, por meio da Vara da Infância e Juventude de Corumbá, tem insistido na cobrança sobre a proibição de venda de bebidas alcoólicas para crianças e adolescentes. Considerado crime pela Legislação Penal desde 2015, a venda de álcool para menores de idade pode levar o comerciante a cumprir pena de dois a quatro anos de prisão e multa que pode chegar a dez mil reais. O álcool afeta o desenvolvimento de crianças e adolescentes e pode prejudicar a formação intelectual.

De acordo com o juiz Maurício Cleber Miglioranzi Santos, titular da Vara da Infância e Juventude da comarca de Corumbá, o álcool está presente na imensa gama dos delitos que aportam ao Poder Judiciário, especialmente em delitos cometidos com violência. “Lesão corporal, violência como homicídio, estupros, essa natureza de crime em especial, mas também os pequenos furtos estão atrelados, de início, à bebida alcoólica que acaba sendo um estimulante para a pessoa nesse sentido”, afirmou o juiz.

Ricardo Albertoni/ Diário Corumbaense

Juiz titular da Vara da Infância e Juventude destacou que álcool está presente na imensa gama dos delitos que aportam ao Poder Judiciário

O magistrado, que já trabalhou durante muitos anos com adolescentes, explicou que naturalmente os jovens passam pela fase de autoafirmação e inconsequência e a grande maioria deles quando atua em crimes acaba confessando seus erros. No entanto, esses jovens agem geralmente movidos essencialmente pela impulsão. O álcool, somado a isso, acaba se tornando um facilitador e desinibidor da prática de crimes por adolescentes.

Para ele, não basta reprimir o consumo do álcool entre os adolescentes, é necessário diálogo e expor mais informações sobre os danos causados pelo uso da substância nessa fase da vida. “Eu tenho acompanhado um autor francês que diz que não podemos querer comparar o tempo antigo com o novo. Nós tínhamos anos atrás uma metodologia de educação amplamente mais rígida, metódica e muito entrelaçada com a ideia repressora. De alguns anos para cá muito se evoluiu em termos de ciência e psicologia. A própria educação ampliou seu método de atuar e tem posicionado o aluno de forma mais democrática, para apreender o conhecimento e não simplesmente reproduzir. Eu vejo que nesse contexto, crianças e adolescentes hoje têm mais liberdade. A crítica que se faz é à aceitação social do álcool porque o álcool como droga lícita é usada pelas famílias e acaba levando o adolescente a acreditar que não é algo nocivo, mas a lei está aí e proíbe adolescentes de usarem álcool. A parte da fiscalização das famílias é essencial”, afirmou o juiz ao Diário Corumbaense.

Maurício Miglioranzi afirmou que a Justiça tem cobrado uma atenção maior da comunidade para o assunto, tanto por parte da família, quando por parte dos empresários, para que eles colaborem. Os pais que pedem aos filhos para comprarem bebidas alcóolicas precisam rever esse tipo de conduta, afirmou o juiz. “A facilidade torna a bebida alcoólica mais acessível à criança e ao adolescente, além de estimulá-los à ingestão. Nós temos que trabalhar invariavelmente com a informação e conscientização, é isso o que certamente vai fazer a diferença”, reforçou. 

Lei Seca municipal poderia ajudar

Para o juiz Maurício Miglioranzi, a Lei Municipal 1889/2006, conhecida como “Lei Seca”, se colocada em prática com rigor pode auxiliar na diminuição de crimes praticados por adolescentes. A lei proíbe bares, carrinhos de lanche e vendedores ambulantes, que comercializam bebidas alcoólicas, de funcionarem da meia-noite às 06h da manhã. A exceção é para os bares de hotéis, restaurantes, danceterias, pagodes e conveniências, desde que comprovem a segurança do usuário.

“A lei passa a ser interessante porque existe a proibição, mas existe a oportunidade de trabalho dentro desse contexto em que se fiscalize uma estrutura melhor. Se conseguirmos incrementar essa fiscalização, com apoio da Prefeitura e dos fiscais da Prefeitura, e exigir dos estabelecimentos que efetivamente tenham uma estrutura mais adequada de segurança, aí nós estamos andando bem no que podemos imaginar de combate aos delitos que estão relacionados à ingestão de bebida alcoólica”, ponderou o juiz.

Ele acredita que “sem dúvida”, se a Lei Seca municipal fosse colocada efetivamente em prática, os crimes cometidos por adolescentes infratores iriam diminuir. “Se dentro desses ambientes tivessem segurança fiscalizando, controle mais rigoroso, me parece que poderíamos conter um pouco o acesso dos adolescentes ao álcool”, disse.

O magistrado lembrou que a venda de bebida alcoólica para menores de 18 anos é expressamente proibida por lei, é considerado crime e o dono do estabelecimento comercial pode pegar de dois a quatro anos de detenção. Além disso, o descumprimento da Portaria de 2006, expedida pela comarca de Corumbá, que afirma que adolescentes maiores de 16 anos só podem participar de eventos open bar com autorização por escrito dos responsáveis, pode promover o fechamento do estabelecimento ou a suspensão do alvará, de acordo com a lei municipal. Ele afirmou que os conselhos tutelares de Corumbá e Ladário estão incumbidos de fiscalizar ao menos um evento noturno por mês e as fiscalizações sem aviso prévio, em parceria entre a Justiça e a Polícia, serão retomadas.

Prejuízos do álcool no desenvolvimento de crianças e adolescentes

Em 2010, a Folha de São Paulo publicou estudo do Instituto de Pesquisa Scripps em La Jolla, na Califórnia, que revelou que ingerir bebida alcoólica em excesso precocemente pode causar danos permanentes ao cérebro. Os piores danos impedem que as células-tronco se tornem neurônios do hipocampo, área do cérebro responsável pela memória e consciência espacial. A pesquisadora sugere que a degeneração das células-tronco pode ter efeitos a longo prazo e, por isso, adolescentes boêmios são mais propensos a desenvolver dependência de álcool do que os adultos.

De acordo com o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), fundado pelo psiquiatra Arthur Guerra de Andrade, os danos cerebrais causados pela bebida alcoólica podem contribuir para o fraco desempenho nos estudos dos adolescentes. O instituto Alcohol Alert (National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism), dos Estados Unidos, afirma que o álcool pode interromper processos essenciais do desenvolvimento do cérebro da criança e do adolescente, levando a danos cognitivos e os danos causados por essa substância persistem com o tempo no cérebro.

Aqueles que começam a beber antes dos 15 anos apresentam predisposição quatro vezes maior de desenvolver dependência ao álcool do que aqueles que começaram a ingerir essa substância depois dos 20 anos. O uso do álcool por pessoas em desenvolvimento, além de afetar o cérebro, causa danos aos rins, fígado e coração. Pode prejudicar a formação dos neurônios em crianças, acarretar problemas cardíacos e desenvolver dificuldades psicomotoras e de aprendizado. É por causa disso que no Brasil a idade mínima estabelecida para uso do álcool é 18 anos, mas em algumas nações essa idade é mais elevada, 21 anos.