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Augusto César Proença: das matinês do cine Santa Cruz ao Facebook

Escritor corumbaense relembra da juventude no conto "Na matinê do Santa Cruz"

Da Redação em 21 de Setembro de 2013

"O filme era de Tarzan. E filme de Tarzan na matinê do Santa Cruz era uma zorra total. Uma guerra de pipocas. A turma gozava. Ria. Aplaudia. Fazia uma tremenda algazarra acompanhando as cenas que se desenrolavam em preto e branco."

Assim, o escritor corumbaense, Augusto César Proença, começa a descrever um capítulo de sua juventude no conto "Na matinê do Santa Cruz", um dos muitos de sua rica coleção literária. É um dos 20 contos reunidos no livro "Snack Bar", segunda edição ampliada relançada neste mês na Feira do Livro de Corumbá. "Eram tempos sem TV, sem internet, e os filmes das matinês ou o futebol das tardes de domingo divertiam a garotada", lembra Augusto.

Acervo da Fundação de Cultura

Cine-teatro Santa Cruz, na rua Delamare, inaugurado em 1942; filmes de Tarzan e show de Nelson Gonçalves

Inaugurado em 1.942, o cine-teatro Santa Cruz produziu sonhos e fantasias de corumbaenses durante três décadas, até ser demolido nos anos 70 para dar lugar a uma agência bancária, na rua Delamare, entre Frei Mariano e 15 de Novembro. No palco do cine também cantaram Nelson Gonçalves e Ângela Maria. Tinha até lutas de boxe no Santa Cruz, mas eram nas poltronas que se travavam os namoricos das tardes de domingo, como descreve Augusto:

"Quando a vista dele se acostumou com a escuridão, viu que uma garota, um pouco mais velha do que ele, estava sentada ao seu lado. De vez em quando despregava os olhos da tela e olhava a menina. Era loirinha?...Tinha um perfil bem feito, a silhueta dos seios aparecia saliente na hora em que a sala clareava para aumentar a algazarra da gurizada..."

Quem frequentou as matinês do Santa Cruz, como Augusto, nunca esquece. O escurinho do cinema abria as asas da imaginação, era o cenário para os primeiros beijos, quem sabe o começo de um grande amor. No conto, Augusto relata com riqueza de detalhes os momentos cruciais em que menino consegue se aproximar da garota sentada ao lado. Até o lance final: "Num beijo quente, macio, tão prolongado como o grito de Tarzan lá na tela. Num beijo encantado e impetuoso, que permanece na saudade, feito coisa que a gente nunca esquece."

Dos tempos do Santa Cruz até o recente ‘boom' da internet, Augusto César Proença acompanhou toda a trajetória de uma verdadeira revolução cultural que ditou novas regras e mudou os costumes da cidade. O menino, sobrinho do inesquecível Clio Proença (autor da memorável crônica Janela Aberta para a Cidade), saiu de Corumbá aos 15 anos, formou-se em Letras no Rio de Janeiro, tornou-se escritor e roteirista, regressou em 1.990. E hoje, adaptado à tecnologia de ponta, compartilha grande parte de sua produção e seu dia a dia no Facebook, com imagens, contos, projetos, frases ou simplesmente avisos e recados.

Nelson Urt

Augusto César Proença acompanhou a trajetória de uma verdadeira revolução cultural

E alguns de seus contos, como "O caso de Juanita", "Nessa Poeira não vem mais seu pai" e "Dia de Visita", viraram filmes em curtas-metragens. O próximo a virar filme é "Sem Presente", incluído no livro Snack Bar. "Nessa Poeira é a produção de cinema que mais me traz contentamento e me deixa saudade. Fazia tanto frio na fazenda Abobral, onde gravamos as cenas, que parecia a Sibéria, mas valeu a pena", postou.

Cenas de "O caso de Juanita" foram gravadas na rua 15 de Novembro, em frente ao prédio do Diário, todas acompanhadas de perto por Augusto. "Nessa Poeira não vem mais seu pai" ficou como finalista entre 967 concorrentes no concurso Guimarães Rosa, promovido pela Radio France Internationale em Paris. "Dia de Visita", que tem a direção de Reynaldo Paes de Barros, retrata o drama de uma criança que tem os pais presos nos anos da ditadura. Todos, clássicos da literatura corumbaense que ganharam o mundo.

Augusto é um dos escritores mais lidos do País. Aos 76 anos, completados mês passado, ele chegou nesta quinta-feira a Corumbá para fazer uma das coisas que mais gosta: fotografar com sua Nikon o desfile de aniversário da sua cidade. Ele nasceu na avenida General Rondon, numa casa em frente ao clube Corumbaense. Hoje, a casa da família Proença fica na rua 15 de Novembro, mas ali é o lugar menos indicado para encontrá-lo. Quando não está viajando, seu porto seguro fica no pacato bairro Amambaí, nascente da avenida Afonso Pena, perto do centro de Campo Grande.

Durante o Festival América do Sul, em Corumbá, um estudante se aproximou dele e lhe entregou uma carta que havia escrito em um caderno escolar. "Já li quase todos os seus livros, Augusto César Proença, e quero entregar na sua mão esta centelha do meu sentimento", relatava o garoto de 16 anos. "Se todos os jovens tivessem o gosto pela leitura como ele, o mundo seria diferente", postou Augusto, abaixo da carta, no face.

Um dia

"Um dia eu não quis mais sair de casa, evitei paixões, amores, sexo, não briguei com ninguém e concordei com tudo. Um dia fiz da TV minha única companheira, me queixei do vento, do frio, da chuva e da má sorte. Um dia acordei e não abri a janela para ver o sol, preferi o escuro em vez do claro. Um dia não consegui ler um livro, escutar uma música, olhar um quadro na parede, não encontrei graça em mim mesmo. Um dia quase morri de raiva, tive ódio, tive nojo, me rebucei na cama, não quis ouvir conselho de ninguém. Um dia o passarinho do galho entrou pela janela, pousou no meu caixão e perguntou quem eu era. Disseram a ele que eu era um ninguém, apenas um morto que tinha morrido há muito tempo e não sabia". (Texto postado por Augusto no Facebook)

Frases de Augusto postadas no Facebook

"As limitações corroem, fabricam múmias repetitivas e desgastam o sorriso das pessoas."

"Se tudo está escrito em forma de lei, eu quero mais alguma coisa que estabeleça a liberdade."

"Se algum dia eu parar de falar, busquem dentro de mim o canto de um sabiá."

"Se você quiser roubar o meu desespero, chegue mansinho como um pássaro e me cante o som do amanhecer."

Comentários:

marcus vinicius coelho: voce que viveu a epoca aurea do cine santa cruz, tenho uma pergunta, não será necessario responder se nunca prestou atenção. todo o intervalo de filmes na sala se ouvia um sincopado que até hoje cantarolo de memoria, mas, gostaria de saber o nome da musica. tenho leve impressão que se trata de uma musica americana dos anos 30, se tiver ideia por favor me comunique; grato, marcus um filho da terra.